segunda-feira, 30 de maio de 2011

Etevaldo e Marinalva

Etevaldo e Marinalva

Etevaldo sempre foi um sujeito meio estressado. Mas, a aposentadoria o deixou bem pior... Agora, o que lhe sobra é tempo ocioso, e assim, passou a se ocupar mais de muitas coisas, inclusive as irrelevantes, declinando sempre a intensa opinião sobre as coisas do mundo e, em seguida, alegando que isto está relacionado com seu suposto senso de organização, questão de praticidade, senso de justiça, e em certas situações, do que diz ser seu compromisso com a verdade e franqueza. E disto, não escapa nem a família.

O contrário do Etevaldo é sua dedicada e paciente esposa, dona Marivalda, um doce de mulher, cuja vida dedicou ao lar e à família e, a quantos mais necessitem, sempre predisposta a ouvir e, muito comedidamente apresentar suas opiniões e conselhos, sendo por isso mesmo, a âncora e, ponto de equilíbrio, no lar que tão doce e habilidosamente preside.

Sempre que o marido apronta das suas, ela sai em campo, usando de muito jogo de cintura e candura, para desfazer as presepadas do marido, que mais e mais, o isola do convívio dos amigos e da família.

Dizem que os maus bofes do Etevaldo, em parte, tem a ver com sua aposentadoria da profissão de eletricista, e da perda do status do vistoso cargo de “gerente regional”, que ocupou por longos 20 anos, depois de uma lenta ascensão profissional na empresa de distribuição de energia elétrica local. Ele até que tentou entrar para o grupo de caminhada do pessoal da “melhor idade” e, na “escolinha de truco” da pracinha das Mães, mas acabou arranjando arenga com quase todos os participantes, motivo pelo qual, foi botado para escanteio, nos dois grupos.

Etevaldo se aposentou, mas dona Marinalva, já está claro, não, pois continuou com os mesmos afazeres e obrigações, cuidados com a casa e, adicionalmente, e o jogo de paciência com o marido arrevesado, em regime full-time, tendo de suportar, entre outras coisas, suas constantes andanças e “inspeções” pelos cantos da casa e varanda, fazendo objeções e "solicitações", quanto a tudo.

Pois, é: depois de vestir o pijama, o homem foi impondo uma série de regras em casa: limpeza, só pela manhã, enquanto ele estava fora para a compra do jornal e, visita à casa lotérica, pois achava inaceitável os chinelões molhados. Na hora dos telejornais, nada de novela, porque ele não abria mão da televisão e das notícias, o que levou dona Marinalva a comprar uma TV a prestação para instalar no seu quarto de costura.

Se o filho vem pedir o carro emprestado para ir a uma festa. E ele fazia um discurso sobre o perigo do trânsito e o preço da gasolina, antes de negar o pedido. Se o vizinho do lado faz uma festa de confraternização e a festa vai até mais tarde da noite, ele aciona o pessoal do meio ambiente, alegando o incômodo do barulho. “Boas cercas, bons vizinhos”, repete ele, enquanto o ruído da música animada e o cheiro de churrasco vai invadindo sua casa.

Mas, não há momento mais oportuno para se conhecer todo o repertório de despautérios do Etevaldo, do que quando ele à rua, para as compras - pobre dona Marinalva, está lá, sempre firme, ágil e, sorridente do lado do eletricista aposentado, para ir desfazendo as situações que vão ocorrendo.

Etevaldo entra no estacionamento de um supermercado, na tarde de sábado, com a roupa circunspecta ("social", diz ele) e o olhar grave, examinando as instalações e a clientela enquanto entra no prédio, ou, conduzindo o carrinho ou, se concentrando nas etiquetas de informações e preços em seguida – que, depois da aposentadoria, ele virou especialista na coisa.

- Marinalva, olha isto. Não informa o teor de calorias. Está contra o regulamento.
- Vamos!, Etevaldo, você nunca comprou esse tipo de biscoitos...
- Mas, não sou só eu. São os consumidores!
- Ah, meu amor, deixa isso pra lá...

Bola pra frente:

- Quero dois quilos e meio desta carne, menino!
- Desculpe senhor. Agora, só temos embalagens prontas. Coisa da Vigilância Sanitária, sabe? Porque o senhor não leva três pacotes de um quilo?...
- Mas, eu quero exatamente dois quilos e meio! Corte uma ao meio e, estamos resolvidos...
- Não posso atendê-lo senhor. Sabe como é: Regras da vigilância e da Gerência.
- Como assim? O freguês tem sempre razão!...

E aí, vem o socorro da habilidosa Marinalva, acabando com a confusão:

- Etevaldo, se lembra? Minhas irmãs, almoçam com a gente no domingo e, prometi um assado...
- Mas, mas!...

Num canto do corredor, estavam oferecendo amostras de uma nova marca de queijo tipo “Minas”, para os consumidores. Etevaldo chega junto e aceita. Dona Marinalva, orgulhosa de seu porte ainda elegante, não. Mas, enquanto come, está lendo a embalagem do produto. E descobre que o queijo tipo “minas”, é fabricado em Catalão/GO. E aí, ele começou um aranzé com os expositores, sendo meio enfático e irônico sobre o fato do queijo tipo “Minas” não ter nada “tipo Minas”. Mas, nem foi preciso a bondoso intervenção da esposa, pois ele percebeu que já estava no quinto pedaço de queijo e, acaba agradecendo - mas, é claro, não leva nem uma peça do produto.

Nas gôndolas de verduras, ele é criterioso. Se instala em frente à banca e vai inspecionando, uma a uma. Entre dez, pega uma. Dona Marinalva aproveita e traz outros produtos. Como ele está muito ocupado com as frutas, verificando a textura, o cheiro e a perfeição da casca, deixa passar. Como ela sabe disso, pega uma sacolinha de compras e, vai trazendo tudo bem depressa.

O supermercado vai ficando mais lotado – todo mundo querendo aproveitar a volta da trabalho para fazer as compras mais urgentes. Lá vai Etevaldo empurrando o carrinho de compras. Vem alguém, e estaciona outro carrinho do seu lado do corredor, para pegar alguns produtos na prateleira. Ele para o seu em frente ao outro e aguarda, pigarreando. E então a mulher percebe, e encosta o carrinho que conduz bem junto à gôndola e diz, sorrindo:

- Opa! Agora o caminho está livre!
Ele, entretanto, sentindo-se em vantagem, sentencia de um jeito marcial:
- A senhora me desculpe, mas esta é a minha mão de direção. À direita, como no tráfego, sabe!?...

E a mulher, meio assustada, pega o carrinho e, sai dali rapidamente. E esta, passou batida de dona Marinalva, que estava perdida de amores por umas louças, lá atrás...

E enfim,o casal vai para o caixa. Dona Marinalva respira aliviada. Mas, sabe que a coisa ainda não está resolvida. As filas de todos os caixas estão enormes! E aquilo de ficar na fila é a morte, pro Etevaldo.

No caixa, a mocinha, diz sorrindo: - Boa tarde, senhor. E o homem, agitando como uma serpente peçonhenta, depois de 20 minutos de fila e as dores da coluna, manda ver: - Boa tarde, porquê?

A menina não entende nada, e ele nada explica. Ao contrário, começa a descarregar os produtos do carrinho na esteira do caixa. E, em seguida, já está de olho no visor, conferindo os preços. A funcionária vai passando com agilidade os produtos no leitor de laser. De repetente, o homem estaca:

- Epa, Epa! Espera aí, menina; o preço da alface está errada!
E a mocinha:
- Ah, moço, é que a alface roxa é mais cara. R$ 0,50 a mais, que a verde...
- Como é que é? Espera, lá: estão cobrando a diferença da cor agora?...

Dona Marinalva sacou o lance perigoso e entrou na jogada:

- Amor, vamos levar da verde. Já estamos tão acostumados, né? Eu volto lá e troco...
- Mas., mas!...
- Deixa, amor...

E a menina continuou na dela, registrando o preço dos produtos. Dona Marinalva já tinha voltado com a alface verde, quando chegou a hora de pagar. E ele, gosta de paga a dinheiro (com ele é assim: pagamento só a dinheiro). E a mocinha, meio desconfiada e temerosa, diz, depois de estender algumas notas:
- Olha senhor, estão faltando dois centavos, no troco. O senhor aceitaria umas balinhas de mel?
E Etevaldo, não perde a chance de marcar o último gol do dia, respondendo com uma pergunta:
- Ah, tá. E eu: poderia pagar a conta com balinhas?

A menina fica boquiaberta e, sem o que dizer.

Então, dona Marinalva sente um aperto no coração, um calor nas têmporas, uma revolta, uma não sei o quê, mas apenas estende a mão e pega as balinhas do troco, sentindo-se envergonhada e, energicamente, pega o carrinho de compras, saindo cabisbaixa rumo ao estacionamento. Etevaldo passa à sua frente e, abre o bagageiro do carro, quando balança a cabeça e diz:

- Temos que voltar no supermercado. Esqueci de comprar os pneus do carro. Mas, eu quero negociar: no mínimo, cinco parcelas no cartão!...

E ela, ainda naquele mesmo estado de comoção que havia sentido no fila do caixa, num repente de perda do autocontrole, disse aos gritos:

- Pelo amor dos nossos filhos, Etevaldo: va-mos em-bo-ra pra ca-sa! Vamos pra casa, que eu não a-guen-to mais!...

O fantástico e incontestado poder de José Sarney...

O fantástico e incontestado poder de José Sarney...

Mal iniciou o ano, e vi o senador José Sarney se eleger, outra vez (quantas já são? Perdi a conta...) à presidência do Senado Federal, jurando que não se candidata mais e que esta será sua melhor administração da casa. A quem eram dirigidas estas juras? Se foi ao eleitor e cidadãos, tenho algo a dizer a respeito: confio tanto nelas quanto na cor de seus cabelos...

Desde que entrou na política nacional, Sarney - dono de incomensurável apetite financeiro, patrimonialista e nepotista, foi entranhando de forma pertinaz e meticulosa, nas mais diversas estruturas de poder e governo - desde os governos ditatoriais, a sua própria estrutura de defesa de vantagens, interesses e poer, de modo que, olhando a coisa em perspectiva, Sarney aparece como um dos sujeitos mais poderosos do país, a partir do começo dos anos oitenta.

Com efeito, depois de passar pelo governo do estado do Maranhão, quando era membro ativo e colaborador da ARENA - que depois, virou PDS, chegou ao Senado Federal e embarcou no PFL (a face moderna das forças políticas governamentais, cuja contrace pasou a ser liderada por outra interessante - e contestável - figura da república: Paulo Maluf, que ficou, na companhia de Delfim Neto, no PP) e, por caprichos do destino, virou presidente da república, em pleno período de redemocratização do país - época em que ingressou na arca do PMDB, num processo em que foi sepultada a esperança de muita gente de um país moderno e democrático, quando Trancredo Neves foi enterrado.

Como ele conseguiu isso? Como pode, nesta altura do campeonato, se eleger Presidente do Senado sem que ninguém se atreva a contrastar sua candidatura? Qualquer que seja a resposta, a algo a ser considerado inicialmente: o sistema de poder cuja porosidade permitiu a um tipo retrógrado e pernicioso agir e, estabelecer a si e sua própria estrutura de poder. Em segundo lugar, há que se destacar sua admirável persistência e competência. Evidentemente que, num projeto onde o que interessa são os interesses particulares e as vantajens de natureza econômica, num país como o nosso - grande e sem-vergonha, não falta quem queira ser parceiro, pelo contrário.

Sarney nomeia (que ele não é mais de indicar, simplesmente) Ministros do primeiro escalão, diretores de setores poderosos de empresas estatais, ministros do STJ e STF (o que lhe rendeu a capacidade de usar o poder judiciário para desafiar a Constituição Federal e censurar a imprensa, quando esta ameaça denunciar seus negócios particulares dentro do setor público - caso do jornal Estado de São Paulo, que está a 556 dias sob censura por conta de uma sentença judicial). Mas, pode se dar ao luxo de indicar, comadres, compadres e jagunços para os mais diversos cargos, seja no estado que transformou numa espécie de capitania hereditária, o Maranhão, seja em Brasília.

Sarney é Senador pelo PDMB. Sua filha transformou-se em governadora da capitania fundada pelo pai à bordo do PFL (agora DEM). E seu Zequinha Sarney hoje é um dos picas do PV. Não é uma família eclética? Pois é, nas alturas em que o poder de Sarney chegou, mais uma qualidade foi exigida de sua família e agregados: a capacidade de exercer o camaleonismo político...

Existe ou terá existido político mais poderoso do que o velho e esperto Sarney, nas últimas decadas?

A história política e sua fantástica máquina mesquinha de ocupação e manipulação de poder político, vantagens financeiras e pessoais (vaidade incluída) do velho senador maranhense é coisa séria. Por isso, merece um um estudo de natureza científica, sério e desapaixonado, o que já descarta vagabundagem de cunho esquerdista ou satanizante, que pode render muitas lições, sobre o Brasil e a política brasileira.

Quem sabe possamos chegar a ter uma idéia de quanto custa, o quanto vale e quais são as repercussões da existência e atuação desta imensa máquina de troca de favores e benefícios mútuos?...

Assombração (II) – Onofre e a aparição do rei Pelé...

Assombração (II) – Onofre e a aparição do rei Pelé...

Depois da primeira de várias histórias do Zorra (Zórra), a roda de gente formada na varanda na casa de meu pai na tarde do dia de Ano Novo estava pra lá de animada.

E foi aí que ele também resolveu contar uma história de assombração.

Disse ele que, ao tempo em que era rapaz, havia na região em que morava, as Águas Brancas das Morangas, um baiano, alto esguio e conversado, o Onofre, sujeito que nunca abria mão do porte de uma faca peixeira na cintura e gostava de dizer e repetir que não tinha medo de ninguém e nem nada – deste ou de outro mundo. Nenhum dos vizinhos tinha interesse ou coragem de testar as tais qualidades, exceto o Teobaldo, vizinho de terras de meu avô, que em silêncio desconfiava da macheza do cabra.

Certo norte, como era costume, a roda de truco estava formada na casa do “seo” Alberto, mineiro simpático, pai de vasta prole, bom de prosa e muito bom anfitrião, que morava como agregado na fazenda do velho Zé Onório, cujas terras ficavam além das terras do Teobaldo. Meu pai, alguns irmãos e, os vizinhos – inclusive o Onofre, estavam lá, jogando truco e ouvindo alguém no toque da sanfona.

Era uma noite de lua cheia e céu claro, como só pode ser visto no centro-oeste do país. O Teobaldo vinha voltando da cidade numa corroça cheia de compras de ferramentas e outras coisas de manutenção e lida na fazenda. A estrada passava a pouca distância da casa do “seo” Alberto, onde pode avistar a animação dos truqueiros e a presença do papudo do Onofre. E imediatamente, começou a maquinar: “Êh, Onofo, é hoje que eu te ajeito. É hoje que eu te pego na mentira!”...

Pouco depois, o Onofre, despachado como sempre, avisou que já ia embora. A despeito da insistência do “seo” Alberto para que ficasse um pouco mais e, a provocação da rapaziada quanto aos perigos da estrada e os pedidos para que esperesse a companhia dos companheiros no caminho de volta, como de costume, ele não retrocedeu, e reafirmando sua coragem e disposição de cortar qualquer mal que lhe aparecesse no fio da “viana”, tomou o rumo de casa.

Ele ia pisando firme a assoviando uma velha rancheira, em direção à casa, ainda bem distante, e foi se aproximando de uma encruzilhada de estradas, onde mudaria de rumo, descendo na estrada à esquerda, rumo à baixada. Encruzilhada era lugar temido pelos sertanejos – sempre ligadas a histórias de despedidas tristes, mortes atraiçoadas, feitiçarias, acidentes, assombrações e, coisas do tipo. Mas, o Onofre, ia na dele, sem dar pelota para a coisa.

Perto do cruzamento de estradas, justamente na margem esquerda, tinha um moite baixa de arbustos estendida sobre um enorme cupinzeiro. E vinha o Onofre olhando para o tempo e a paisagem. A cerca de cinquenta metros de distância, ele notou algo com um brilho mortiço, balançando em cima do cupim. Cismou imediatamente, puxou da faca, diminuiu a marcha, saltou para o outro lado do caminho, e foi se aproximando feito um gato, para ver o que era aquilo. E na medida em que ia se aproximando, foi divisando no meio dos arbustos um rosto escuro, cercado por um alo branco, no meio da folhagem. E então, estremeceu dos pés à cabeça, sentiu um arrepiaço subindo das costas para as orelhas e deteve a marcha, tremendo e com o fôlego atrapalhado. Pela primeira vez na vida, paracia inquirir a si mesmo se aquilo podia ser da parte do "coisa ruim" ou se era uma aparição ou alma penada. Aquilo não era nada, ainda...

Quanto ele estava mais perto, o clarão da lua lhe permitiu divisar perfeitamente um rosto, no meio de um alo branco e meio embassado. De repente, a figura se moveu sobre o cupim e gritou com a voz esbravejante, cavernosa e tremida: “É hoje, Onofo! É hoje que eu te levo comigo, peidorreiro! Vem aqui, Onofo, pega na minha mão e vamimbora!” E então, a figura desapareceu uns segundos, momento em que moita de arbustos sacolejou como se estivesse sob uma violento redemoinho. O rosto da figura voltou em seguida, e começou a mover-se para o seu lado, gritando: “Vem, Onofo! Chegou o dia de vir cumigo!”

Os cabelos de Onofre se arrepiaram tanto que pareciam levantar o chapéu de palha. O queixo, parecia uma matraca. E tudo o que o fanfarrão conseguiu fazer foi atravessar a estrada, na direção da sede da fazenda do Teobaldo, gritando por socorro e "acode, Nossa Senhora!", passando pelo pasto, se desviando da sombra da figueira, no outro lado do caminho, desaparecendo numa curva do caminho, mais à frente.

Uns segundos depois, saiu o Teobaldo de dentro da moita, já lacrimejando e arquejando de tanto gargalhar com a correria medrosa do Onofre, segurando um enorme poster do rei Pelé, feito sob encomenda, a partir de uma foto do jogador publicada em jornal, em que o craque envergava a famosa camisa branca do Santos Futebol Clube, com o qual ele pretendia enfeitar a parede da sala de sua solitária moradia de fazenda!

Memorial - 20 haicais

Memorial - 20 haicais

01. o outono! dizem
mas outra coisa se passa
no céu da cidade

02. tronco desgastado --
ainda há nele o rastro
da árvore que foi

03. ruas de Goiânia --
um picolé de cajá
depois prestações

04. descendo a rua
um bando de estudantes --
só enxergam a si

05. banca de revistas --
alguém que chega pedindo
uma cópia de chave

06. num velho sebo
eu penso em tantos livros
que já não importam

07. fresta na janela --
um ruído impressionante
chuva no bananal

08. chuva à tardinha
o fio de água das goteiras
feito bailarinas

09. início de outono
levando as folhas do ipê
o vento e a chuva

10. muda, estaca
e a mágica do tempo --
uma orquídea

11. o que buscará
entre jornais e papéis
esta formiguinha?

12. longa noite
de francas memórias --
dois grilos cantam

13. o amigo da foto
por onde andará agora?
outro dia finda

14. nada deste mundo
só o mundo desta casa
enquanto chover

15. cadelas medrosas
deitadas na porta da sala --
chuva de verão

16. flores que vão caindo
derrubadas por maritacas --
um ipê roxo

17. não é só de voo
a vida dos passarinhos --
ninho no limoeiro

18. um pássaro canta
sem que eu possa vê-lo --
domingo no bairro

19. o gosto que tenho
os pássaros já tiveram --
pitangas maduras

20. a chuva tão mansa!
supondo árvore imensa
da muda de ipê