domingo, 27 de março de 2011

Versões de músicas estrangeiras – caso para especialistas...



Versões de músicas estrangeiras – coisa para especialistas...

A despeito de todo discurso em torno do purismo ou da preservação da música brasileira de parte da crítica, os profissionais envolvidos com o mundo da música no Brasil nunca tiveram muitas reservas quanto à adesão à gravação de ritmos e músicas estrangeiras, havendo no mercado, inclusive, gente especializada na realização de versões de sucessos estrangeiros para nossa língua.

Num país em que o domínio de uma língua estrangeira era considerado um luxo da elite, a gravação de uma música estrangeira, apesar de seu provado potencial de sucesso, dependia da realização de uma boa versão para o português, para garantir que emplacasse nas vendas.

Como é sabido, a versão não é uma simples tradução da letra original, eis que ela tem que combinar, em termos de métrica e rima, com o compasso e andamento da música originalmente criada. De qualquer forma, a letra da versão, para ser bem sucedida, não pode se distanciar demais do som e do sentido da música original.

E é aí que entra o profissional especializado, que tem sensibilidade e competência para a realização de tal tarefa.

No Brasil, alguns profissionais do mundo da música acabaram por se especializar na realização de versões de músicas estrangeiras e, alguns chegaram a se tornar célebres, como é o caso de Fred Jorge, que foi um dos responsáveis diretos pela bem sucedida operação de introdução e aclimatação do rock and roll no mercado nacional, realizando a versão de muitas músicas que estouravam no mercado norte-americano.

Suas criações primavam pela simplicidade e manutenção do espírito das letras originais, e nesse sentido, podemos citar as versões de “Stupid Cupid", música de Neil Sedaka e Howard Greenfield, convertida por Jorge, “Rithm of the rain”, de John Claude Gummoe, convertida por Demetrius, entre centenas de outras, que foram parar no repertório de Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Wanderléia, Agnaldo Timóteo, The fevers, Renato e seus Blue Caps, Golden Boys, etc.

Mas, neste tema, não podemos nos esquecer de Rossini Pinto e suas versões das músicas dos Beatles e Nazareno Brito, que se especializou na confecção de versões de stardards franceses e italianos.

Muitos músicos populares também se dedicaram à realização de adaptações de músicas estrangeiras ao longo do tempo, fazendo trabalhos igualmente interessantes, como é o caso de Lourival Faissal, que firmou a tradição e era considerado o "rei da versão", tendo feito versões de músicas americanas, latinas e caribenhas para Emilinha Borba, Carlos Galhardo, Bob Nelson e Luiz Gonzaga (sim!), entre outros.

Certas versões acabaram extrapolando o sentido original, dada a liberdade e o resultado inovador do trabalho criativo realizado. E não existe exemplo mais interessante do que as versões feitas por Gilberto Gil de músicas compostas ou gravadas por artistas da estatura de Steve Wonder e Bob Marley, de quem citamos duas e surpreendentes de versões de “No woman no cry (reggae criado por Vincent Ford)” e “I just called to say I love you”, onde o cantor e compositor demonstrou, pela ordem, feeling para o novo e para a aclimatação de um estilo de música ainda desconhecido no pais e competência, capacidade poética para reinventar o grande sucesso de um astro consagrado.

Como estudo de caso, gostaria de tratar de uma versão da música “Green, green grass of home”, música composta por Claude “Curly” Putman, Jr em 1965, um country que se tornou mundialmente conhecida na voz de tom Jones, mas que foi gravada por gente de um naipe tão variado quanto Jerry Lee Lewis, Johnny Cash e Elvis Presley.

No Brasil, ela ganhou uma versão de Geraldo Figueiredo, com o título de “Os verdes campos da minha terra”, que foi gravada inicialmente por Agnaldo Timóteo, um cantor então filiado à Jovem Guarda (movimento roqueiro idealizado por Roberto e Erasmo Carlos), em 1967 e, no ano seguinte pela dupla Belmonte e Amaraí.

O título da versão nacional, reproduz a ideia do título da letra de Putman. Mas é interessante notar que, na música original, o título (Green, green grass of home) foi retirado do refrão da música ("...It's good to touch / the green, green grass of home"), o que não aconteceu na música nacional, onde o o título “Verdes campos da minha terra” difere do refrão, que refere a “verdes campos do meu lar”.

Porque a diferença? Imagino que seja pelo fato de que o autor da versão, depois de muito quebrar a cabeça, não achou um verso que pudesse dar a ideia do verso original e, ao mesmo tempo, tivesse a mesma musicalidade, pois o que conseguiu foi "...com meu amor a passear / nos verdes campos do meu lar".

Ele até que tentou dar a ideia da letra original no conjunto dos versos da estrofe, mas resolveu não arriscar e criou um verso que, embora não fosse capaz de dizer o que o verso original dizia – pois a palavra “lar” certamente não expressava o que "home" queria dizer na letra original - pois aquela dava a a ideia de habitação, e outra referia à ideia de lugar de origem e lar dos antepassados.

O engraçado é que o título da música foi criado justamente para resolver o problema que estava lá, no verso de estribilho da música, numa tentativa de harmonizar o sentido da letra original e da versão. Assim ficaram denotadas claramente duas situações: o respeito que se tinha pela criação original, representado pela harmonização do título e, a incapacidade do responsável pela versão de criar um verso satisfatório, com a mesma e profunda riqueza de expressão do verso original.

Falando especificamente sobre esta canção, observo que, a despeito do que ocorreu, a música foi um retumbante sucesso na poderosa voz de Agnaldo Timóteo, numa gravação cujo arranjo a transformou num rock de andamento lento (com a batida de guitarra imitando aquela das gravações de Roberto Carlos, à época), de natureza denotativa, que nos leva a imaginar a abençoada e saudosa terra natal, de que fala a letra.

No ano seguinte, a música em questão ganhou a famosa gravação de Belmonte e Amaraí, num ritmo diferente e que não era exatamente aqueles mais típicos de “música sertaneja de raiz (essa bobagem inventada por quem gosta de confinar a arte em compartimentos)” - uma interessante marchinha, onde pontuavam arranjos de instrumentos de sopro e um cavaquinho no acompanhamento, que muita gente reputa como o primeiro encontro da música caipira americana com a música sertaneja, esquecendo-se do velho e brasileiro Bob Jones, cantor country muito lembrado por Rolando Boldrin em seus programas, quando costuma cantar trechos das versões nacionais de countrys gravados por ele...

Imagino que a versão nacional do tal clássicoamericano foi gravado por uma dupla sertaneja somente depois de ter estourado no circuito da Jovem Guarda pelo fato de que era ali que estavam os demandados especialistas em versões musicais e, que os sertanejos, tendo conhecido a origem da música nos estúdios das gravadoras (onde se gravava de tudo e havia a correspondente troca de informação entre os músicos dos mais diversos estilos, que, abrigados em grupos chamados "regionais", acompanhavam a gravação dos mais diferentes artistas e ritmos) resolveram apostar numa gravação de retorno garantido, à vista do seu sucesso e consagração.

Fazer a adaptação da letra original da música de certos artistas, algumas vezes, é um desafio difícil de vencer. Um caso interessante de citar são das versões feitas para as músicas de Bob Dylan, onde o problema é justamente encontrar um verso que traduza ou espelhe a poesia dos versos originais e, ao mesmo tempo, caibam dentro do compasso da música.

Nesse sentido, quase todas as versões feitas para as músicas de Dylan tem muitos problemas. Tal circunstância, pode ser conferido na versão de "Blowind in the wind", cujo refrão, na versão mais conhecida, gravada por Diana Pequeno, repetiu o verso original, muito provavelmente porque o autor, não conseguiu elaborar um outro com a mesma sutileza, sonoridade, força do original e, que casasse bem com a música original.

Até mesmo Caetano Veloso lidou com tais dificuldades - o que pode ser facilmente verificado, da comparação entre a canção original "It's all over now, Baby Blue" e a sua versão, "Negro amor", que é matadora no refrão ("...e não tem mais nada / negro amor"), mas escorrega em algumas partes do resto da letra.

E há canções acabam ganhando mais de uma versão em português brasileiro, por variados motivos. O caso que me vem à mente é o da canção "La mia storia tra le dita (GianLuca Grignani / Massima Luca)", que recebeu uma versão do cantor e compositor José Augusto, "A história da minha vida" - título muito sem graça, e outra da cantora e também compositora Ana Carolina, "Quem de nós dois".

Para mim, as duas tem problemas - a primeira, porque seus versos econômicos e aguados, que nem de longe conseguiu dar uma idéia da força da letra original. A segunda, tem o mesmo problema de outras versões feitas pela cantora: "estoura", em muitos pontos o compasso da música, pelo fato de ser uma letra quase discursiva, tendo, todavia, uma vantagem sobre aquela: uma enorme carga dramática, garantida na gravação pela voz grave e carismática de Ana Carolina...

Mas, para casos assim, existem, evidentemente, um sem número de casos de realização de versões muito bem sucedidas e, perfeitamente adaptadas para o gosto nacional. Aí, temos peças como "Meu primeiro amor", versão de Lilian (da dupla Leno e Lilian), para "You're gone to lose that girl", de Lennon e McCartney, que tem um resolução exemplar para o refrão e uma versão de letra simples e simpática.

Dito isto, registro que, muitas vezes, as versões das músicas estrangeiras gravadas por artistas brasileiras parecem nitidamente superiores às músicas originalmente gravadas, às vezes pelo resultado sonoro e, em alguns casos, pela qualidade da nova letra. E vou citar três diferentes casos, para defender esta idéia: "O Rítmo da Chuva", na fantástica gravação feita por Demetrius
e, "Te amo cada vez mais", versão de Roberto Merlin Jr para "To love you more -Edgar Bronfman Jr. / David Foster )", gravada pela dupla João Paulo e Daniel e, evidentemente, a surpreendente, poética e classuda "Só liguei pra dizer que te amo", de Gilberto Gil...

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